Categories
Altruísmo Colaboração

Pérola

Para Catharina.

Num reino muito distante atrás das serras vivia Pérola, uma menina que entendia das coisas públicas e estava a par, apesar de pequena, das questões do seu reino. 

Catarina de Castro conta como deve ilustrar esta história – Parte 1

Pela manhã cuidava das flores e alimentava os pequenos animais, mesmo antes da escola. À tarde, depois das tarefas escolares, ajudava a bordar a camisa de batizado de algum recém-nascido, presente do reino, para cada novo súdito, que se tornara uma tradição; ou participava ao lado do pai e dos ministros, das reuniões, tomando decisão para o equilíbrio do reino. Às vezes praticava equitação, e exercitava esse esporte para tomar parte na próxima competição. Também gostava com a rainha, sua mãe, de visitar as pessoas, distribuir as frutas do pomar real, e como toda menina, brincar com as crianças, apostando corrida, escalando árvores, ou nadando no rio. Seus pais lhe davam liberdade. No reino da Harmônia todas as crianças iam à escola; os camponeses tinham seguro saúde e viviam bem, produzindo para si e o comércio. O excesso era comprado pelo reino para distribuição gratuita. A terra vivia em harmonia com a natureza, as praças eram bem arborizadas e decoradas de árvores frutíferas, e os frutos, cachos de uva, bananas, ou melões acessíveis a qualquer um, para um lanche ligeiro. Os pássaros cantavam enfeitando o ambiente com melodias. Os riachos corriam por sobre as pedras, podia-se beber com a mão ou recolher a água em cântaros para cozinhar. Assim vivia Harmônia.

Catarina de Castro conta como deve ilustrar esta história – Parte 2

Mas como tudo que é melhor, é cobiçado, em toda parte, um corvo sobrevoou aquela paisagem linda e foi cochichar com sua patroa. E a bruxa Maléfica o mais que depressa transformou a menina em uma pérola e a lançou no meio do mar pra ser engolida por algum bicho marinho. Ao presenciar isso, os cabelos do rei embranqueceram, os pássaros silenciaram, a cada dia murchava uma flor do jardim, as vacas deixaram de dar leite, os igarapés baixaram de volume, as crianças já não iam aos parques brincar, nem no rio nadar. A tristeza era geral. O castelo hasteava uma bandeira anunciando essa desolação.

Catarina de Castro conta como deve ilustrar esta história – Parte 3

Surgiu o Edito de que o rei oferecia uma sacola de ouro a quem trouxesse Pérola de volta. Era uma restiazinha de esperança. Muitos aventureiros acudiram ao reino, mergulhando sem sucesso.  Onde estaria Pérola, se perguntavam todos, ungidos em oração, em preces ao Salvador.

Catarina de Castro conta como deve ilustrar esta história – Parte 4

Pérola caíra no fundo do mar e fora recolhida felizmente por uma ostra bondosa e escondida  no meio de um labirinto de corais. Mas ninguém sabia disso. Que destino triste o de pérola, podemos pensar! Assim pensava também a bruxa Maléfica, vendo tudo murchar, e gargalhando distraída colidiu, com sua vassoura contra um rochedo, caiu espatifando-se nas pedras do desfiladeiro. Assim quebrado o feitiço. Pérola podia ser encontrada.  Nathan, filho de um camponês que frequentava a mesma escola e mergulhava com frequência viu os corais se abrirem e a ostra bondosa depositar Pérola em suas mãos. Ao devolvê-la ao rei, a menina retomou sua figura normal. Agradecidos, o rei e a rainha caíram de joelhos diante de Nathan. Este beijou-lhes as mãos, mas recusou o ouro. No lugar dele pediu consentimento para continuar junto a Pérola. Fazia questão de brincar com sua querida amiga, escalando as árvores da floresta ou nadando juntos no rio. O reino voltou à prosperidade. E os dois cresceram juntos felizes para sempre.

Catarina de Castro conta como deve ilustrar esta história – Parte 5
Categories
Colaboração Empatia

Conversa animada

Alguém na Fazenda acorda à noite com a impressão de escutar um sussurro na sala de jantar. Quando a pessoa volta a dormir a conversa revive.

 – Vejam só ela se gabando de que vivia as margens de um lindo Igarapé, diz uma cadeira para outra.

 – Eu é que tenho motivo de me orgulhar de onde vim, no meio da floresta.                                                                                   

 – Recebi o selo de madeira de lei. Estou aqui por acaso. Tinha sido selecionada para a casa real da Dinamarca, um país distante. Já ouviram falar? As outras cadeiras balançaram a cabeça negando. Estavam emudecidas. Achavam discretamente que o rompante das duas amigas era exagero. Mas Deus as livre de inflamar essa discussão. A da direita suspirou sem se atrever a comentar. A segunda à direita também. A terceira à direita tentou conciliar:

 – Todas viemos de lugares lindos. Você, por exemplo, pode nos contar de onde veio? Quase cochilando a que tinha sido interpelada levou um bruto susto e despertando falou, se indagando por que não a deixavam em paz.

 – Ve … venho… gaguejou, de uma nogueira a beira do Rio Purus.

 – Estão vendo?  A primeira à esquerda, muito polêmica, volta a se manifestar.

 – Pois, para provar o que digo vou mostrar a vocês. Não me comparo a toda cadeira. É meu jeito, meu caráter, temperamento… Chamem do que quiserem. Sou diferente.

 – Quando a menina abrir o mapa aqui sobre a mesa vocês vão confirmar que estou falando a verdade. E indignada continuou seu discurso:

 – Respeito você como respeito a todas. Disse ela. Estou dizendo apenas que tenho saudades do ar livre. Essa afirmação não devia magoar ninguém.

A segunda à esquerda, inconformada, voltou a replicar.

 – E aqui, não nos levam para o jardim às vezes?  Assim evoluía a discussão quando a velha mesa, impaciente, se intromete na conversa:

 – Meninas, meninas, precisamos de harmonia para sobreviver. Se a gente ficar se chocando, se alguma de nós ficar imprestável, vai para o depósito, no melhor dos casos. Podemos ser lançadas à rampa, ao mundurú, ao lixo…

 – E vocês sabem o que acontece lá? Fez uma pergunta retórica.

 – O fogo!!! exclamaram três em coro, desesperadas, já antevendo trêmulas esse desfecho…

A mesa, satisfeita com o resultado da sua psicologia, continuou.

 – Não sabem que o equilíbrio depende de cada uma se colocar no lugar do outro!?

 – Sabemos, gritaram todas, até as que estavam brigando antes. A mesa, triunfante, continuou o discurso:

 – Todas nós somos importantes. Vocês recebem as pessoas, eu recebo os alimentos. Pensam que é confortável suportar os pratos quentes? Tenho até uma queimadura aqui num cantinho  

 – Vocês vão lá fora, para a grama, com frequência, desfrutam da linda paisagem com a melodia dos pássaros e até a visita de bichinhos: patos e marrecos, perus, coelhos e cabritos. Avistam as serras azuladas as longe…

 – E eu? Só vejo o jardim pela fresta da porta. Me lembro de terem me levado lá só uma vez na vida, na Primeira Eucaristia da menina.

 – Sob as arvores, senti o cheiro das rosas. Que perfume! Espalharam pétalas aveludadas sobre a minha toalha, me decoraram com iguarias, docinhos embrulhados em celofane e laçarotes coloridos. Eram tantas as compotas, biscoitos, sequilhos e canapés… E o bolo confeitado, então…!!! Decorado com bolinhas prateadas e passarinhos de goma, biquinho vermelho… O glacê recebia no topo uma bonequinha com o vestido igual ao da menina. E a mesa, tagarela como sempre, continuou:

 – A porcelana de Limoges, então, era incomum, não era, armário? E a crystaleira, que guardava a louça, já bem caduca, confirmou baixando os olhos. Era de mogno, mas nem ousava dizer. E era do tempo em que o português escrevia o “i” com “y”, e o “f” com “ph”. E ia acrescentando – E os cristais da Boêmia também, mas ficou quieta, não queria inflamar a discussão… Estava velha demais pra isso.

Então a mesa, se achando soberana, continuou:

 – Até cobriram minhas pernas com uma toalha finíssima, toda recortada com um bordado francês… Ah, lembrei,  Richilieu, o nome dele. Recordo cada detalhe. Foi estonteante! Como fui feliz! Apareci até junto à menina e os pais, em um retrato ali emoldurado sobre o piano.

 – Estão vendo? E agora? O que me resta? Se ainda quiser reviver a liberdade do ar livre da minha origem? É preciso sonhar com a próxima festa. Fico desejando e imaginando a celebração de casamento dela…

 – Gente!  Disse o velho piano lá da sala de estar, com a qual a sala de jantar se comunicava por um belo arco. De onde estava dava pra avistar a todas, cadeiras e mesa. Ele tinha aproveitado um segundo de intervalo na discussão.

 – Gente! Repetiu. Peço só um minuto de atenção.

A mesa parou de falar 

 – Por favor. Escutem. Continuou o piano.

 – Cada qual com seu destino! 

As cadeiras prestaram atenção.

 – Nem discuto mais minha origem, continuou o piano. Isso é coisa do passado. Sei que venho de um nobre jacarandá. Meus descendentes estão em perigo de extinção. É doloroso relembrar isso. Portanto faço um esforço para apagar a memória. Estou conformado! Às vezes me desanimo… Ninguém toca mais nenhuma melodia nas minhas teclas. Já estão amareladas. Faz tempo que elas não ganham nenhum polimento. Só lustram minha madeira com óleo de peroba e isso já me faz feliz. Os dedinhos macios da menina sobre minhas costas é uma carícia. E guardo a memória das partituras. Isso eu desfruto… Tenho esperança na nova geração. As crianças estão crescendo. Qualquer dia, uma toca uma melodia. Tenho todas na cabeça. Sei disso porque ouvi um cantarolando e dizendo que vai compor. Confesso a vocês que criei alma nova. E prosseguiu ele.

 – E você, minha querida mesa, quero dar uma palavrinha com você. Já se esqueceu da sua importância? Quantos tecidos de seda, de renda, tecidos luxuosos até do estrangeiro foram cortados aí? Quantos vestidos a vó já não confeccionou? Está aqui a máquina de costura que não me deixa mentir.

 – É verdade, respondeu, prestativa, a máquina.

E quantas conversas, diálogos, acordos, assinaturas você já não presenciou? E os estudos dos meninos? As redações, as memorizações, a quantidade de livros que já passaram por você…!!!

 – Não é à toa que você é tão sabida, conhece tantas palavras bonitas!! A mesa baixou a vista, envaidecida. E continuou muda. Era melhor silenciar agora. Reconhecia que se excedera.

De repente o relógio tocou umas seis badaladas anunciando o amanhecer, já cantado antes pelo galo Coricó no terreiro da Fazenda.

 – Vamos descansar um pouco, interrompeu o relógio porque já já vai começar o café da manhã.

 – Falou a voz da experiência, exclamou o piano com tanta ênfase que lhe arrebentou um bordão junto a uma corda. – TOIIIINNG

 – Pronto, agora me levam pro ferro velho!!! choramingou o piano.

– Que nada.! Consolou a bouganville enroscada em uma coluna da varanda que escutara até ali, em silêncio.

 – Com essa imponência toda e a sonoridade dessa cauda maravilhosa!!!???. Vão chamar logo um afinador e um técnico para consertá-lo. Espere e verá! Disse a bouganville.

 – É verdade. A mim mesmo, já me consertaram duas vezes quando minhas cordas pifaram, disse o relógio. Vão fazer o mesmo a você.

 – Sei não…!!! disse o piano. Você é muito mais importante porque regula toda a vida da casa. Você disciplina as crianças. Cronometra os horários da alimentação, o sono, as tarefas dos trabalhadores, o descanso. Eu só sirvo para os dias de festa, amigo.

 – Desse conserto me recordo, continuou o piano. Foi sobre a mesa! exclamou, enciumado, sem esconder a paixão que tinha por ela.

 – Deixe disso, de onde você está, pode apreciá-la toda. Retruca o relógio. – E a lealdade dela, que só tem olhos para você, não conta???!!!

 – Disso estou certo, disse o piano, e sua superfície lançou um brilho para a mesa, atenta à conversa dos dois.

 – Mas daqui não posso ver as piscadelas do seu flerte para ela …!!! Continuou o piano. Só escuto os suspiros, e badaladas a cada meia hora….  

 – Você não deixa nem a coitadinha da minha amada cochilar … desabafou ele.

 – Perdão. Confesso. Disse o relógio. Mas meu amor é platônico. Você já ficou bem juntinho dela, quando essa sala não possuía separação, lembra? Falou e arguiu o piano:

 – Como você sabe disso? Quis saber o relógio, pego de surpresa na malandragem. E se atrapalhando todo, adiantou dois minutos, depois atrasou um.

 – Pelos mexericos das cadeiras…!!! Elas estão em todo canto! Respondeu o piano…

 – Ah! Mas veja o destino! Ponderou o relógio. Enquanto você, sua amada e eu, somos tocados pelas mãos, a extremidade mais delicada do corpo, qual a parte dele que as cadeiras sustentam, ehm?  

 – É mesmo, hahahaha, concordou o piano se rindo da gaiatice do relógio. Nem tinha pensado nisso!!! Genial!! E deixando por menos a rixa, fez as pazes com o outro.

 – Bem feito para essas fofoqueiras! disse o relógio, se sentindo vingado!


 [PS1]

en English de German pt Portuguese es Spanish