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O trancelim de ouro

Agar e Cira, um casal muito pobre de agricultores fora dispensado pelo dono de terras mais poderoso da região.

Mas o patrão lhes ofereceu como recompensa alguns hectares. Eles não valiam nada mesmo. Devido ao estio, não havia trabalho para ninguém. Há meses não chovia. No solo revolvido para o plantio, não caía uma gota d´água.

Agar e Cira poupavam o punhado de feijão, farinha e sal que restara, além de meia dúzia de frangas e uma vaquinha magra no terreiro. Mas o que tinham em abundância era o grande amor de um pelo outro.

À noite ficavam a apreciar as estrelas e a desejar dias melhores. E Deus enviou-lhes e primeiro de três emissários para provar o amor de Agar.

Em uma noite iluminadas pela lua, apareceu um jovem pedindo pouso. Com muito gosto os anfitriões ofereceram-lhe a rede que guardavam para o filho que tanto desejavam mas que Cira, por causa da debilidade não gerava. O homem dormiu nela e na manhã seguinte, despediu-se, agradecendo. Disse ser o Zé das cordas e trabalhar no mercado. Quando Agar foi desfazer o nó da corda que o estrangeiro tinha dado ao redor do caibro esta se transformou num trancelim de ouro. Extasiado ele não pensou dois segundos pra decidir ir correndo ao mercado devolver o objeto precioso, procurou, procurou, mas não encontrou o jovem.

No dia seguinte apareceu João tanoeiro. Ele trazia não só ancoretas, mas cântaros, aguadores, canecos. Queria tomar um banho. O anfitrião mais que depressa pegou um cântaro e foi buscar água em um chafariz próximo. João lavou-se numa bacia e foi embora, sem dar tempo de Agar lhe devolver o objeto que havia se transformado numa bela ânfora de cristal. Na manhã seguinte Agar foi procurá-lo sem o encontrar. Na noite do outro dia apareceu Pedro funileiro, que fazia também alguidares, tigelas, pratos. Pediu uma tigela de feijão. Comeu e foi embora enquanto Agar lavava a tigela que se tornou uma bela terrina de porcelana, como as de Nymphenburg em Munique, as de Limorges ou as portuguesas de Vila Velha. No dia seguinte caiu uma chuva copiosa e não parou mais de chover até que o solo estivesse encharcado e pronto para as sementes. Depois disso, foi tanto a fartura de legumes que os compradores faziam fila. Quando chegou a safra das frutas: mangas, seriguelas, atas, carambolas, sapotis, cajus, cajaranas, cocos, cajus, eram surrões cheios que os compradores levavam. Agar reformou a casa, pôs luz elétrica, o casal se fortaleceu e chegou o filho desejado. E continuou a guardar os tesouros, o trancelim de ouro, tão lindo como as joias etruscas ou as da rainha de Sabá. Guardou-as como Úrsula Buendía conservou por cinquenta anos o saco de ouro para o soldado que lho confiara. Deus estava satisfeito. Testara a fé, a esperança e a caridade de Cira e Agar.

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Amabilidade

Aprendiz de feiticeiro

No tempo em que as coisas falavam, um aprendiz de feiticeiro quis se vingar de um homem e fez um encantamento nas coisas da sua casa. Elas deveriam xingar os convidados. Assim ele ficaria mal visto na cidade.

Então quando alguém se sentava, a cadeira dizia: “como sua saia é curta!”  O se alguém de mais peso preferia o sofá, este se arreliava:

“Gorducha!”

Ou então se um menino pegava mais de um doce, a doceira exclamava:

“Menino guloso!” E os pais da criança ficavam desgostosos com o dono da casa e espalhavam pelo bairro que ele era um mau anfitrião.

Móveis falantes
Móveis falantes, por André Cavalcante.
Móveis falantes.
Móveis falantes, por André Cavalcante.

Porém uma fada bondosa que tudo presenciara quis dar uma lição no projeto de feiticeiro, que desesperado, saiu correndo, caiu e quebrou o nariz. Depois de consertar o infeliz, a fada (afinal era uma fada do bem!), não só quebrou o encantamento: as coisas agora deveriam ser amáveis e bondosas com os convidados: assim elas passaram a dizer: “que linda sua saia curta!” Ou “pegue mais um doce, linda criança!” Ou ainda: “a senhora está muito bem assim!” E os convidados voltavam pra casa com um sorriso no rosto e todos viveram sossegados para sempre!